Link Supesp: novo espaço para entrevistas inicia com o comandante do CBMCE
14 de janeiro de 2025 - 18:25 #CBMCE #Entrevista #Link Supesp
Texto: Aécio Santiago/Ascom Supesp Fotos: Paulo Cavalcanti/Ascom SSPDS Arte: Juliana Mendes/Designer Supesp
Entrevista Link Supesp
Coronel comandante-geral do CBMCE, José Cláudio Barreto de Sousa
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Com o objetivo de valorizar personalidades que compõem a segurança pública no estado do Ceará, direta ou indiretamente, a Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp) apresenta um novo espaço de entrevista, diálogo e interação com o público que acompanha as plataformas da superintendência.
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O Link Supesp trará mensalmente um nome de destaque em suas atividades, de relevância na sua área de conhecimento, de atuação, mas, sobretudo, sua história de vida, conquistas, desafios, lutas e ensinamentos. Para estreia do quadro, convidamos um dos profissionais mais respeitados da segurança pública no Ceará, o coronel comandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (CBMCE), José Cláudio Barreto de Sousa. O coronel Barreto é conhecido por muitos pelo sorriso sempre aberto e pela disposição para escutar, dialogar, ajudar e, principalmente, resolver problemas. A entrevista também é uma homenagem ao aniversário de 100 anos do CBMCE, que serão comemorados neste ano de 2025. Boa leitura!
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Embora sejam sempre reconhecidos de forma positiva por atuarem salvando vidas em momentos de tragédias, poucas pessoas sabem os desafios que esses profissionais enfrentam no dia a dia, seus medos e dores, como em uma ocorrência de busca, em alto-mar, de uma criança afogada na Praia do Futuro. “Essa busca durou três dias e foi muito difícil e sofrido todo o trabalho, acompanhar a família e encontrar o corpo na Barra do Cauípe”, explicou o coronel.
Com especialização em Gestão Estratégica de Políticas de Segurança Pública e em Administração Pública e Gestão de Ações Contra Sinistros, pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), coronel Barreto completa 35 anos de profissão, desde quando ingressou no CBMCE em 1990, tendo sido aprovado para o Curso de Formação de Oficiais em 1993. Mas o bate-papo que resultou nessa entrevista, vai encontrar o ser humano além do profissional, que já enfrentou tantas batalhas pela vida, e contar um pouco da sua própria luta, caminhos e verdades.
A reportagem também conversou com sua esposa, a administradora Alessandra Barreto, seu pai de coração, o professor de Educação Física Edmundo Marques, com quem o coronel nutre uma relação de grande harmonia, respeito e carinho. Vale conferir ao final essa história
Supesp – Esse sorriso e simpatia sempre foram uma marca sua? Quando surgiu o apelido de Dr Sorriso ?
Surgiu muito naturalmente. Observo fotos minhas da década de 80 com esse sorriso. Eu creio que o sorriso é importante, dar um abraço em alguém, sorrir e tratar bem as pessoas. Gentileza sempre vai atrair gentileza. Como soldado ainda, tenho muitas fotos assim, sorrindo, brincando.
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Supesp – Antes de entrar para os Bombeiros, o comandante tinha outro sonho profissional?
Meu sonho sempre foi ser militar. Quando jovem, admirava o uniforme da Marinha do Brasil. Porém, servi ao Exército Brasileiro vestindo o uniforme verde-oliva. Em seguida, ingressei nos quadros do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará, que realmente sempre foi meu sonho. Eu sou da primeira turma que usou o uniforme de bombeiro, a turma de 1990, quando houve a separação da Polícia Militar.
Supesp – Como o trabalho de produção de dados da Supesp tem fortalecido a atividade dos Bombeiros?
A gente trabalha muito com prevenção de acidentes em rios, lagoas, nas praias, e aí numa conversa com o Dr. Nabupolasar (Nabupolasar Alves Feitosa, superintendente de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública), junto com a sua equipe, conseguimos um levantamento estatístico das ocorrências, onde aconteciam mais afogamentos. A partir daí, colocamos mais bombeiros e guarda-vidas naquelas áreas. Outro trabalho importante foi no setor de engenharia, onde fizeram todo o mapeamento de ocorrência de incêndios.
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Supesp – Nesses mais de 30 anos de profissão, quais momentos foram mais delicados de suportar e gerenciar? Imagino que o último incêndio no Parque do Cocó em, 2024, esteja entre esses momentos.
Nesses 34 anos de profissão já participei de várias ocorrências de grande impacto, tais como:
* incêndios em edificações verticais com vítimas fatais;
* desabamento do edifício Andréa;
* enchente no município de Lavras da Mangabeira;
* incêndio do Parque do Cocó; e
* uma ocorrência de busca em alto-mar de uma criança que se afogou na Praia do Futuro em Fortaleza. (Esta última durou três dias, findando com o encontro do corpo da criança na praia da Barra do Cauípe, distante mais de 40 quilômetros).
Supesp – Como observa a evolução da tecnologia e dos novos equipamentos que estão disponíveis ao Corpo de Bombeiros? Como ajuda no trabalho de salvamento?
A evolução da tecnologia e a introdução de novos equipamentos têm transformado significativamente a eficiência e a eficácia das operações de salvamento conduzidas pelo Corpo de Bombeiros Militar do Ceará. A incorporação de dispositivos modernos, como o primeiro robô para combate a incêndios na América Latina e a autoescada mecânica articulada, permite uma abordagem mais segura e precisa em situações de alto risco. Esses avanços tecnológicos ampliam a capacidade de resposta da corporação, proporcionando melhor proteção aos bombeiros e um atendimento mais ágil e efetivo às vítimas. Além disso, os novos equipamentos de proteção individual (EPIs), como capacetes, luvas e sistemas de proteção respiratória, são essenciais para garantir a segurança dos profissionais durante operações de combate a incêndios e resgates complexos. Existe a Full Face, onde o mergulhador submerso se comunica com o operador em terra, repassa as informações sobre o que está acontecendo embaixo da água, o que facilita toda a operação.
Pela primeira vez, nossa equipe foi realizar um curso de mergulho de profundidade no Rio Grande do Norte. Nem todos bombeiros são mergulhadores. Para atuar em mergulho, é preciso muita cautela, paciência. Uma coisa é estar em terra, outra é num ambiente de pouca visibilidade ou visibilidade zero. Em suma, a tecnologia moderna não só aumenta a capacidade operacional do Corpo de Bombeiros, como também melhora a qualidade e a segurança dos serviços prestados à população.

Coronel Barreto, a esposa Alessandra Barreto e o filho, Cláudio Filho
Supesp – O Corpo de Bombeiros do Ceará é uma referência no país. Quando esse trabalho passou a ser reconhecido nacionalmente?
O reconhecimento nacional do trabalho realizado pelo CBMCE é fruto de uma trajetória de quase um século de dedicação, inovação e profissionalismo. Esse reconhecimento começou a se consolidar na década de 1990, quando, através da Lei nº 11.673 de 1990, a corporação conquistou sua autonomia, desvinculando-se da Polícia Militar. A partir desse marco, o CBMCE passou por um processo contínuo de modernização e aperfeiçoamento de suas técnicas e equipamentos, bem como de expansão dos seus serviços à comunidade. Hoje, recebemos colegas das Forças Armadas, Polícia Federal, Militar, pra fazer o curso de mergulho, de combate a incêndio, entre outros. Esse intercâmbio e parceria são muito importantes na nossa formação e aprendizado.
Fizemos um curso em Madrid/ESP, por exemplo, e eles tem uma formação muita boa com uso de equipamentos, mas percebi que falta trabalhar com improviso, algo que já temos aqui muito presente. A criação e o desenvolvimento de projetos sociais inovadores, como o Projeto Jovem Brigadista de Valor e o Projeto Saúde Bombeiros e Sociedade, aliados a investimentos significativos em infraestrutura e capacitação profissional, contribuíram para que o CBMCE se destacasse no cenário nacional. Por isso, o compromisso com a excelência e a busca constante por melhorias posicionaram o Corpo de Bombeiros Militar do Ceará como uma referência em eficiência e qualidade de serviços no Brasil.

Supesp – A vinda do comando para o Centro Integrado de Segurança Pública (Cisp) ajudou no gerenciamento das atividades da corporação?
A transferência do comando do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará para o Cisp representou um avanço significativo no gerenciamento das atividades da corporação. A integração ao centro facilitou a coordenação e a comunicação entre os diversos órgãos de segurança pública, permitindo uma resposta mais rápida e eficiente às emergências. Essa mudança promoveu uma sinergia entre as diferentes forças de segurança, otimizando recursos e compartilhando informações de maneira mais eficaz. Além disso, a proximidade com outras entidades de segurança pública no Cisp fortaleceu a cooperação interinstitucional, melhorando a capacidade de planejamento e execução de operações conjuntas. Em suma, a vinda do comando para o Cisp tem contribuído de maneira substancial para o aprimoramento da gestão, a eficiência operacional e a eficácia das ações do CBMCE, refletindo diretamente na qualidade dos serviços prestados à sociedade cearense.
Supesp – Quanto tempo demora a capacitação e formação de um bombeiro militar?
Tem duas situações diferentes. Primeiro, você pode fazer concurso para praça e entra para ser soldado. Nesse caso, são seis meses pra se formar bombeiro militar. Ou a pessoa interessada faz concurso para oficial, passa três anos na Academia (Estadual de Segurança Pública – Aesp). Após a conclusão dos cursos de formação, o militar é escalado para as ocorrências do dia a dia, para operações e vai se gabaritando em vários tipos de ocorrência.
Supesp – Quando a pressão sobe demais durante uma gestão de crise, a que o senhor recorre pra manter a calma e o direcionamento das soluções? O senhor tem alguma fé em especial? Religião? Santo?
Acho que cada bombeiro militar tem sua fé específica, sua forma de como acredita em Deus. No meu caso, eu sou católico e todo dia que chego aqui peço a Deus discernimento e paciência. Então me sinto fortalecido, porque muitas vezes precisamos tomar decisões em segundos. Precisamos saber lidar com o medo, ter o autocontrole, passar segurança.
Além de saber e tentar entender o problema, será necessário saber como aplicar as medidas de gestão para crises. Dessa forma, é possível investigar riscos, definir um plano e estabelecer procedimentos de contingência.
Supesp – O lema dos bombeiros é Vidas alheias e riquezas salvar. Servir pelo amor de servir, de estar presente para ajudar ao próximo não importa sua origem, cor, sexo, credo, partido político. Assim, também, pode ser resumido o lema de quem ingressa no Corpo de Bombeiros?
Tem tudo a ver, mas vamos além disso. Para ser bombeiro, você precisa ter uma vocação muito grande, é um sacerdócio. Você dá a sua vida por alguém que não sabe nem quem é. É algo muito profundo. Você analisando bem, salvamento aquático tem seu risco, você entra no mar pra salvar a vida de alguém. Num incêndio, a mesma situação, você precisa tirar aquela pessoa daquele local, um resgate, mesma situação, sua vida está em risco.
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O encontro de pai e filho
Você deixaria seu bebê de cinco meses ser levado por um estranho, de 19 anos, na praia, somente porque foi “com a cara desse adolescente”? Assim aconteceu em 1989, na praia de Paracuru, litoral oeste do Ceará, quando o então professor de educação física, Edmundo Marques, 43, foi abordado pelo jovem e futuro comandante do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará, Cláudio Barreto, pedindo permissão para passear com o bebê.
“Você ficou doido? Vai deixar um estranho sair com a nossa filha”, disse a esposa do professor, Fátima Marques, ouvindo como argumento: “sim, fui com a cara dele; é gente boa”. Barreto, Papi (apelido de Edmundo) e Fátima mantém ao longo de 35 anos uma história de pais e filho, com momentos de companheirismo e muita amizade à primeira vista.

• A bebê protagonista dessa história de amor, a advogada Letícia Marques (foto acima), tem 33 anos atualmente.
• “No teste para entrar nos Bombeiros, eu acompanhei ele na corrida da Barra do Ceará ao Quartel Geral, no Centro. Eu de bicicleta apoiando e dando água.” (Papi)
• “Ainda como soldado, ele participou de uma competição na piscina do Sesi da Barra do Ceará; ele estava com uma febre de 38 graus e queria desistir. Eu disse a ele que não desistisse, que ia conseguir. Ele foi aprovado no exercício de apneia ficando com 3 minutos e 30 segundos submerso.” (Papi)
• “Quando ele ingressou nos Bombeiros, pedi que ele me fizesse uma promessa: um dia ser comandante do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará.” (Papi)
• Com 78 anos de idade, Papi ainda fez um outro pedido ao hoje comandante do CBMCE: deixar um importante legado ao sair da instituição. Essa promessa está sendo rigorosamente cumprida.
• Todas as condecorações recebidas pelo coronel Barreto são abençoadas e entregues pelo professor e especialista em salvamento e sua esposa, Fátima Marques.
*agradecimentos especiais à major Juliany Freire, da Ascom do CBMCE e Alessandra Barreto, esposa do coronel Barreto, pelo apoio e informações que tornaram possível essa entrevista