Especial Dia da Ciência: o que os olhos não veem, as máquinas identificam

10 de julho de 2024 - 11:37 # # # # #

A segunda matéria da série comemorativa ao Dia da Ciência e do Pesquisador Científico mostra como atuam os profissionais da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) e de que forma utilizam tecnologia de última geração no dia a dia da segurança pública.

O Núcleo de Perícia em DNA Forense do Ceará possui máquinas de última geração para realizar a identificação genética. São equipamentos cruciais que otimizam a precisão de uma investigação. “A gente pode ser a última palavra de uma vítima”. É o que acredita a perita legista, Ana Cláudia Sobreira (foto abaixo), especialista em genética forense, do Núcleo de Perícia em DNA Forense da Pefoce. A perita, que trabalha desde 2006 no órgão vinculado à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), considera a perícia uma espécie de sacerdócio em busca da verdade. “Pela elucidação de um crime, por exemplo, a gente vai ao limite”, declara.

O papel da análise de DNA num caso de crime ou na identificação de pessoas é imprescindível, pois alcança além dos olhos humanos, transcende o que um perito presencia num determinado local ou em qualquer que seja a superfície em que se encontra o material.

A Pefoce da SSPDS vem transformando ao longo dos anos a capacidade tecnológica do Núcleo de DNA. De 2020 para cá, a tecnologia ganhou força no trabalho dos peritos. Máquinas super precisas e de última geração fazem parte do dia a dia de quem pode ajudar na resolução de uma investigação policial. Ao chegar ao local de um crime, o perito se depara com uma cena cheia de vestígios deixados pelo suspeito, por exemplo. Saber coletar as amostras faz parte da habilidade e preparo dos peritos criminais. O local da ocorrência é o ponto de partida para toda a investigação policial, observar cada detalhe pode definir o sucesso do caso.

Só pra se ter uma ideia dessa importância, até um inseto ao lado do corpo de uma vítima, por exemplo, pode ser a chave que abrirá caminho até o suspeito. Apesar de ainda ser pouco utilizado no Brasil, sendo mais comum nos Estados Unidos e na Europa, o estudo de insetos em cenas de crimes pode ser um trunfo para os investigadores. Com a análise dos bichos, é possível determinar o tempo e a causa da morte e até o local do crime.

Pistas e provas

Mosquitos podem conter amostras de DNA e até identificar o consumo de drogas. As formigas têm condições de indicar falta de higiene, muito comuns em sequestros. Besouros podem ajudar a identificar a causa da morte pois trazem vestígios de substâncias venenosas, além de carregar DNA da vítima no sistema digestivo. As moscas ajudam a determinar o tempo da morte se forem encontrados ovos no cadáver, ou se for identificada a presença de chumbo ou esperma no inseto, o que evidenciaria que a vítima foi baleada ou agredida sexualmente.

“Os equipamentos vêm para auxiliar e para otimizar todo o processo. Cada máquina faz parte de uma etapa. A gente extrai o DNA numa plataforma automatizada que permite fazer mais amostras ao mesmo tempo. Após extraído o DNA, será quantificado num equipamento quantificador de DNA e depois será amplificado em termocicladores de Reação em Cadeia de Polimerase (PCR). Esse processo está dentro dos padrões internacionais. O FBI (Federal Bureau of Investigation) – departamento de polícia dos Estados Unidos – utiliza os mesmos equipamentos”, afirma Ana Cláudia, enquanto explica que o DNA é amplificado em milhões ou bilhões de cópias antes de ser analisado pelo sequenciador genético.

Mais tecnologia, mais precisão, menos espera

Antes era tudo manual. Tudo era mais trabalhoso quando não tínhamos equipamentos de última geração. O exemplo disso é que parte do processo de conclusão de um perfil genético passa pelo ato de ‘pipetar’, como é chamado entre os peritos legistas, que significa aspirar uma amostra de um local para o outro, ou seja, de um tubo para uma placa ou o contrário, de uma placa para um tubo. “A gente ‘pipetava’ de amostra em amostra, uma por uma, manualmente, e isso demandava muito tempo”, lembra Ana Cláudia. A automação garante uma maior celeridade ao processo de obtenção do perfil genético.

O equipamento tem capacidade de receber o estojo com 96 pequenos tubos, onde em cada tubo é possível inserir uma amostra. Significa que em uma única utilização da ‘pipetadora’ é possível receber 96 casos diferentes, ao mesmo tempo.

O processo bem feito começa desde a coleta da amostra de DNA no setor de Abertura de Casos. Tudo depende da qualidade dessa amostra e peritos bem treinados fazem a diferença. “Quando a tecnologia não era tão fortemente presente, a gente tinha uma dificuldade que hoje não tem mais. O processo se resume assim: coleta da amostra, extração do DNA, depois quantificamos, amplificamos essa amostra, e logo em seguida partimos para a genotipagem no sequenciador. Antigamente, saíamos da amplificação, direto para o sequenciador, a gente não tinha a possibilidade de quantificar o DNA”, explica Ana Cláudia.

Quantificar significa definir a quantidade de DNA presente numa amostra. “Ficou mais requintado, porque você analisa exatamente o volume ideal da amostra para que o perfil genético seja o mais fidedigno possível”, explica a perita, que destaca também a importância do Governo do Ceará de ter adquirido esse equipamento, a fim de diminuir o tempo do processo.

Todas as salas do Núcleo de Perícia em DNA Forense têm um equipamento de ponta. São máquinas inseparáveis da perita ou de qualquer outro colaborador desse importante trabalho que auxilia na elucidação de crimes. É a ciência a serviço da verdade e da justiça.“Claro que a tecnologia nos ajuda muito e tem feito muita diferença. Mas se tivéssemos que fazer de forma manual, eu faria tudo de novo. Porque eu saio de casa todos os dias para buscar uma verdade. Entregar essa resposta à sociedade é o que nos motiva”, finaliza Ana Cláudia.

Coisa de cinema

“Eu só tinha visto em filmes”. Foi assim que Mailson Magalhães (foto abaixo), 36, perito legista da Pefoce reagiu ao entrar na sala de identificação genética pela primeira vez. Mailson é farmacêutico e desde abril de 2022 trabalha no Núcleo de Perícia em DNA. “A gente via toda tecnologia nos filmes. Aqui nos deparamos com muita máquina de ponta, que eu via também nos livros e ficava imaginando como funcionava. Agora vemos a realidade e o retorno do processo de conseguir extrair um perfil genético de uma amostra. É desafiador, mas as máquinas ajudam muito. Estou muito feliz em trabalhar aqui e prestar um serviço tão importante para a sociedade”, declara Mailson, que se orgulha em ter uma atividade que ampara a sociedade com a resolução de crimes, no encontro de pessoas desaparecidas e na identificação humana.

Pioneirismo

Desde 2022, existe uma parceria da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp) e a Pefoce no intuito de melhorar alguns dados no registro das ocorrências de desaparecimento de pessoas, bem como propiciar às delegacias acesso em tempo real aos dados de pessoas desaparecidas não só na Capital, como também no interior e Região Metropolitana. O objetivo é desenvolver um Cadastro Estadual de Pessoas Desaparecidas, nos moldes do que a Lei 13.812/2019, da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas preconiza, que tem que haver em âmbito nacional.

Pefoce

No final do ano de 2022, a Pefoce alcançou o topo do ranking do Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG) em valores relativos, proporcionais à população carcerária. O quantitativo de detentos condenados que tiveram o perfil genético coletado, representa cerca de 90% de todos os presos que possuem condenação judicial no Ceará, dentro do rol de crimes que a lei determina, colocando o estado entre os estados brasileiros com maior número de perfis genéticos inseridos no banco nacional.

Foram catalogadas 7.200 amostras de detentos realizadas pelo Núcleo de Perícia em DNA Forense (NUPDF). É o banco de DNA mais completo do país e a cada seis meses é feita uma atualização dessa amostra em todos os estados. Além dessa amostra, atualmente, o órgão possui 12 mil nomes que constam entre condenados na Justiça Estadual por crimes hediondos. O Banco de Dados de DNA da Pefoce já tem cerca de 11 mil registros genéticos incluídos.

Ainda em 2022, a Pefoce realizou a coleta de DNA de famílias que estejam com parentes desaparecidos, em prol da campanha nacional “Desaparecidos: política nacional de buscas de pessoas desaparecidas”. O objetivo é colaborar para a localização e a identificação dessas pessoas. Anualmente, em 25 de maio, é realizada a campanha Dia Internacional das Crianças Desaparecidas, elaborada pela Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), com o apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).